30 de jan. de 2011

Eu quero é vadiar


Estou aposentado, mas de uns tempos para cá venho sofrendo insinuações de que devo arranjar um "bico", uma ocupação que some alguns trocados ao orçamento doméstico, como fazem muitos de meus antigos companheiros de trabalho. Até já recebi insinuações mais diretas e objetivas, mas sempre declino. Mais recentemente, em face do meu desempenho na supervisão da reforma da minha casa e dos bons resultados obtidos, sei que há quem sonhe com os meus préstimos na supervisão de obras alheias. As insinuações são tais que até minha mulher já disse: - Vai trabalhar, homem, te ocupa, vai espairecer e traz um dinheirinho pra casa, que não faz mal a ninguém.
Porra! Eu já trabalhei muito, carago!
Eu só brinquei até os dez anos. Depois foi trabalho, trabalho, trabalho... Primeiro ajudando os meus pais, entregando sacos de carvão e galões de querosene, de bicicleta, nessas ruas do Valqueire e adjacências; depois na oficina de bicicletas; depois na padaria entregando pão nos pontos de venda e fritando sonhos no tacho; depois o serviço militar e depois, depois, depois... Nunca aprendi a empinar pipa e a jogar bolinha de gude, e por conseqüência meus filhos também não sabem...
Eu não quero mais fritar sonhos – quero persegui-los e brincar com eles, como as crianças fazem nas brincadeiras de pique!
Mas não tenho medo do trabalho, nunca tive e me orgulho disso. Continuo trabalhando, domesticamente: pequenos reparos, troca de lâmpadas, interruptores e tomadas, faxina pesada, isso é comigo mesmo. E, se necessário, lavo a louça e encosto a barriga no fogão... E já limpei cocô de bundinha de neném e troquei muita fralda (ah! que saudade daqueles tempos!). A divisão do trabalho doméstico, que entre muitos casais ainda é tema de discussão, já se pratica em minha casa há muito tempo. Naturalmente, sem crise, sem discussão da relação.
Quanto a trabalho formal, quero repetir aqui um verso de um poema de Oscar Niemayer, que ouvi de sua boca (em vídeo) e minha memória gravou, na exposição memorável de sua obra no Riocentro: Que se foda o trabalho!
O que eu quero agora é vadiar, brincar de escritor e artista plástico, poetar, contar histórias, causos e lorotas; perder tempo olhando as nuvens para descobrir que desenho formam ou que não formam desenho algum, mas anunciam chuva; olhar o sol ao entardecer e embeber-me nas cores do seu declínio no horizonte; olhar as pessoas que passam, sem outra intenção que não seja a de imaginar que enredo, que drama ou tragédia carregam, enquanto meus ouvidos tentam ouvir o que dizem, que histórias contam; e, claro, estar com os amigos num bar ou à sombra de uma amendoeira na praia, neste calor abrasador do Rio de Janeiro, deitando conversa fora e tomando uma geladinha, que ninguém é de ferro.
O mestre Oscar, contudo, continua trabalhando até hoje, com mais de cem anos de idade - não abstante o verso de seu poema acima mencionado.
Não estranhem, portanto, se algum dia me encontrarem trabalhando.

30 de janeiro de 2011

Uma voz na penumbra


Alguém me disse que sou um contador de histórias. Pois bem, já que é assim vou contar mais uma, esta captada da vida real.
Estava eu assistindo TV, após o almoço, quando um peão de obra, o Ricardo (estou reformando a minha casa), tendo já esvaziado sua marmita, bebia um copo d'água e olhava também o que passava na telinha. A reportagem era sobre uma ONG que promovia atividades sócio-culturais-educativas numa das favelas do Rio de Janeiro: oficinas de artes plásticas, dança, esportes, etc...
Disse então o Ricardo:
- É... e o meu filho não pode ter isso...
O Ricardo é representante daquele povo que sobrevive sem ajutórios quer governamentais, quer particulares. Sobrevive do seu trabalho, com dignidade. No meu tempo de moço esse povo era chamado de REMEDIADO – o que tem remédio ou solução para os problemas da sobrevivência. Esse povo não é problema, é a solução que se almeja para todos.
Contudo, esse povo é quase invisível, não tem luz sobre si, não tem foco nem voz. É a maioria silenciosa que só aparece nas estatísticas do TRE a cada dois anos. Eu gosto de chamá-lo de POVO DA PENUMBRA.
Mas esse povo também precisa de ajuda, – não de bolsa-família ou cheque-cidadão -, mas de escola pública de qualidade, atendimento decente à saúde, transportes eficientes, saneamento, programas de habitação popular e equipamentos de lazer e cultura.
Nada além do seu direito e do dever do Estado. E tenho dito.

19 de janeiro de 2011

OBS: Este texto foi publicado originalmente no fanzine Visão Suburbana, edição de janeiro de 2011.


20 de jan. de 2011

Nada além de cinco minutos


O homem falava sério, com ares de expert e atitude de quem ia revelar um grande segredo ou conhecimento relevante, restrito aos poucos que acumularam sabedoria ao longo da vida:
- Aprendi com meu pai e vou ensinar pra você. Preste atenção, não vou repetir. É o seguinte: não converse com uma mulher por mais de cinco minutos; nesse tempo você tem que conquistá-la ou derrubar na cama. Se não conseguir em cinco minutos, desista. Se continuar conversando, vira coleguinha. E coleguinha de mulher é viado!
Putaqueopariu! Preconceito machista maior não pode haver!
Alerto, porém, que não estou generalizando; não é a visão do subúrbio, mas a de um suburbano anônimo, em suas próprias palavras, entreouvidas à porta de um botequim.
Mas se o preconceito e o machismo podem chegar a tanto – e com a convicção de sabedoria -, não é de estranhar que as mulheres e os homossexuais sejam, frequentemente, vítimas de violência e discriminações variadas.

 
OBS: Esta crônica foi publicada originalmente no fanzine Visão Suburbana, edição de dezembro de 2010.

 

2 de jan. de 2011

Uma propagandinha, pois não?

No último dia 18 (Dez/2010) realizou-se o evento de lançamento das antologias MARGINAL: Contos de Periferia e POESIA SUBURBANA – Entre trilhos e versos, no Espaço

Cultural Euclides da Cunha, no Cocotá – Ilha do Governador.

Foi um dia maravilhoso, não só pela expectativa em relação às antologias organizadas por Adriana Kairos, mas principalmente pelo clima descontraí-do e alegre da festa de premiação, tão distante dos rituais e formalismos comuns a eventos desse tipo. Tal clima, creio eu, foi o resultado da personalidade e do temperamento de Adriana Kairos, que tem todo o jeito de mãezona. E o evento mais pareceu uma reunião familiar, entre autores e convidados, muito parecido com o que fiz no lançamento de "Cacos da Memória". Ave! Adriana.

Mas deixemos de tecer loas ao evento e à Dri, que puxa-saco eu não sou (ah ah ah). Vamos logo ao título do texto.

Li as duas antologias, de cabo a rabo, no dia seguinte ao lançamento, inclusive os meus textos, pois gosto muito de lamber as crias. Não sou crítico literário, sou leitor antigo e autor neófito. Contudo, recomendo MARGINAL (e poderia deixar de recomendar? ah ah ah): há nesse livro contos muito bons que nos mostram a realidade periférica que só estamos habituados a ver pelos olhos da televisão e jornais, inclusive dois ótimos da Adriana Kairos, no final (eu já disse que não sou puxa-saco, pô!). Nomeadamente recomendo "Desassossego", de eusinho mesmo (ah ah ah)(Adriana, eu ainda não me acostumei a usar o rs rs rs). Brincadeirinha, gente!

Quanto a POESIA SUBURBANA, devo dizer que não sou poeta (mas como gostaria de ser!). Tenho, porém, algumas palavras que devem ser ditas: A poesia é necessária; A poesia é tudo o que procuramos na vida, quase sempre sem que o saibamos, e nos perdemos procurando ninharias. E tenho dito! Anotem isso; talvez venha a ser tema futuro de uma crônica minha. Por ser a poesia essencial à vida, super-recomendo a antologia.

Mais sobre as antologias em HTTP://kairospoesis.blogspot.com

Agora os procedimentos para quem desejar adquirir as antologias

Enviar e-mail para: adriana_santos_kairos@hotmail.com encomendando as antologias (uma ou outra ou as duas), se possível já com o comprovante de depósito bancário na conta corrente da Adriana: Banco do Brasil, ag 3652-8, cc 47163-1. Acrescente 5 reais por pedido para correio (Brasil).

Preço das antologias: MARGINAL – 20,00; POESIA SUBURBANA – 18,00.


Em 02 de janeiro de 2011