2 de jun. de 2011

O BICHO COSTUREIRO (Parte 3)


O marrão e a pombinha falante

Tonico caminhava entre campos de trigo; em sentido contrário um pastor conduzia suas ovelhas, que tomavam toda a largura do tosco e estreito caminho. O menino colocou-se à margem e esperou que passassem os animais. Dos últimos do rebanho, um carneiro parou a olhar fixamente para ele. Conhecendo o significado desse olhar, Tonico disparou pelo caminho o mais rápido que pôde, enquanto o carneiro seguia na sua cola, focinho baixo e cornos à frente, em posição de ataque. Tonico corria e corria! Viu passar os trigais, a ponte, casas e pessoas, muitas pessoas rindo a não poder mais, nenhuma que tentasse barrar o marrão, e algumas até incentivando aquela doidice, como se fora uma competição: "Eia! marrão! Coragem, garoto, e prepara o traseiro!".
Quanta crueldade dessas pessoas, pensou Tonico. Mas o menino não tinha tempo a perder nem com pensamentos: a marrada era questão de instantes! Dirigiu-se então a uma grande árvore à beira do caminho e rodopiou ligeiro para detrás dela. O carneiro marrão não teve tempo nem tino para corrigir a rota e esborrachou-se no tronco da árvore, afastando-se meio estropiado e zonzo, sem entender nada do que acontecera.
Com o choque a árvore estremeceu e afugentou os pássaros que nela se abrigavam. E Tonico, ainda ofegante, ouviu, entre arrulhos, uma vós meiga e suave:
- Ora, se não é o menino da fonte!
E uma pombinha branca veio pousar-lhe no ombro. Tonico pegou-a e passou o dedo em sua cabecinha, sentindo sob as penas o alfinete que lhe havia cravado a Moura Torta.
- Olá! Que prazer revê-la! E o que faz a moça da melancia por estas bandas?
- Ainda não sei bem. Estou desnorteada... Saiba o menino que a velha, depois de fazer isto comigo, escondeu-se entre as folhagens – no meu lugar! – e quando meu amo chegou disse-lhe que, por ter demorado muito, o sol havia-lhe queimado a pele, deixando-a feia daquele jeito... E o bobinho acreditou!
- E como é homem correto, prometeu-lhe casamento – completou o menino.
- Pois é, pois é... Tenho vontade até de chorar!
- Deves é procurar por teu amo; ao fim, tudo dará certo.
- Achas?
- Tenho certeza.
- Assim até fico mais animada. E por onde devo começar?
A conversa foi interrompida pelo tropel de três cavaleiros bem trajados e portando alaúdes a tiracolo. Tratava-se de um grupo de jograis – trovadores do povo – e um deles dizia:
- Vamos, vamos, não podemos chegar atrasados à festa. Nem o rei tolera retardatários. Além do mais, eu não vejo a hora de rever o meu amigo Sete Palmos. Vosmicês vão gostar dele, é muito divertido.
- Agora já sabes por onde começar – respondeu Tonico à pombinha. Vamos.

Um convidado do rei

Elevando-se no topo de um outeiro, as torres e muralhas ameiadas do castelo. Só então, após livrar-se do marrão e refazer-se da estafa conversando com a meiga pombinha, Tonico percebeu que havia chegado ao Reino das Princesas Vaidosas. A pombinha perguntou ao menino:
- Como hás de entrar no castelo, se há guardas no portal da muralha? Para mim, que vôo, é fácil, mas tu?!
- Tenho uma idéia. Vamos...
Depois de atravessar a ponte levadiça sobre o fosso que contornava as muralhas, Tonico apresentou-se à guarda do portal.
- Que queres, pirralho? – perguntou-lhe um guarda.
- Alto lá, senhor guarda, e veja como fala! Sou D. Antonio Fernando e vim a convite de Sua Majestade por indicação do meu amigo Sete Palmos, para abrilhantar a festa na corte.
O guarda riu e tomou ares de zombeteiro.
- E como D. Antonio pensa em abrilhantar a festa?
- Apresentando a minha pombinha falante, uma raridade – respondeu o menino.
- Pomba falante? Essa é boa! Conta outra, garoto! – caçoou o guarda.
A pombinha, que até ali não entendera o plano do menino, interferiu com seu jeito manso.
- Pois saiba o senhor guarda que falo sim e falarei diretamente a Sua Majestade se insistir em não nos dar passagem...
O guarda encheu-se de espanto.
- Pombinha falando... Vê-se cada coisa neste mundo de Deus!
- E preciso que me faça um favor, senhor guarda – disse o menino. A minha mula empacou na subida do outeiro, à custa do peso que carrega. Que alguém vá aliviá-la. E me tragam o baú com as minhas roupas. Tenho de aprontar-me ligeiro para o espetáculo.
- Sim, sim, sim... - concordou o guarda, indicando a entrada e fazendo mesura, meio abobalhado, enquanto considerava poder tratar-se de outro anão gigante, já que era amigo de Sete Palmos, embora tivesse cara de menino.
Tonico, com a pombinha no ombro, seguiu entre dois muros altos até o portal da muralha interna. Á sua frente, afinal, o castelo.

(continua no próximo post)

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