26 de dez. de 2012

Agora temos celular - viva o celular!

Não pensem que usei o plural majestático. Não. Refiro-me a "nós" - humanidade. Eu continuo a não usar esse aparelhinho maravilhoso. Não faço parte da humanidade, ou melhor, estou auto-excluído da modernidade.
Amanhã ia viajar para Maricá, passar lá a virada 2012/2013, levando comigo a Yasmim. Tudo combinado, a menina empolgada, contando os minutos. Sua mãe me telefonou há pouco desmarcando o que estava marcado. Motivo: a menina perdeu o carregador do seu celular, já não dava para comprar outro, a viajem tinha de ser adiada. Sem celular, como ela poderia se comunicar com a filha, saber se chegara bem, etc, etc, etc?
Em que pese o cuidado da mãe com a filha, eu fico encucado, pensando: como é que as pessoas viviam antigamente, sem celular? Como é que a humanidade conseguiu sobreviver e chegar ao século XX, sem esse aparelhinho maravilhoso, já que hoje nada se faz, nada se resolve sem ele? Mesmo as coisas mais banais. Me ajudem a entender esse mistério da sobrevivência humana. Por favor!

15 de dez. de 2012

Ivo não viu a uva

...Nem Eva viu a vovó.
Li recentemente uma entrevista com Michael Kirst, Presidente do Conselho de Educação da Califórnia, que anda às voltas com um novo currículo para a escola básica americana. Dentre outras críticas, sublinhei esta: "... a maior falha dos alunos americanos, ao entrar na faculdade, é na leitura e na escrita. Nessa área, vamos pior ainda que em matemática".
Se os americanos estão mal, como estamos nós?
Todos vocês já devem ter assistido ao Jô Soares, onde ele, por vezes, lê as barbaridades supostamente extraídas de provas de vestibulandos brasileiros. Se esses relatos são reais ou apenas peças humorísticas, pouco importa. Se já virou piada, a coisa é séria!
Sobre essa questão, levo a vocês, nas minhas próprias palavras, comentários do professor Pasquale Neto.
São cada vez mais comuns, nos concursos vestibulares, questões em que a teoria para responder corretamente a pergunta formulada está no próprio enunciado da questão. Basta ler e interpretar com atenção. Mas muitos candidatos erram! Talvez por falta de vocabulário: não entendem/não sabem o sentido de uma ou outra palavra e por isso perdem a "dica" do enunciado. Na verdade, essas questões não pretendem avaliar o que o candidato sabe de gramática, mas sua maturidade para leitura e interpretação.
Durante anos, na minha experiência de pai e avô e eventual explicador de Português, Matemática e outras disciplinas, para filhos e netos - meus e de outros – cheguei a igual constatação: vai mal o aprendizado do idioma pátrio.
Uma criança, nem tão pequena, 10/12 anos, tem dificuldade de interpretar um texto simples e curto. Um período com uma frase, ela entende; com duas, ainda consegue captar o sentido; com três frases, coordenadas ou subordinadas, perde-se totalmente. E muitas vezes, se está tentando resolver uma questão de matemática, fracassa porque não consegue interpretar o enunciado do problema proposto. Ela nem chega à matemática, que é outra história, já empaca na linguagem!
A linguagem é básica e essencial para todos os outros conteúdos. O próprio pensamento, o raciocínio, depende do suporte linguístico, sem o qual nenhuma ideia se formaliza.
A educação de qualidade pressupõe, portanto, o manejo eficaz do idioma, sem o qual tudo o mais fica comprometido.

 

 

 

9 de dez. de 2012

Sutil como um elefante

Este espaço, desde o início, pretendia ser dedicado à arte: literatura, poesia, crianças e outras artes.
Mas acontece que, às vezes, surgem temas, geralmente políticos, que me tocam sobremaneira e eu não resisto. E lá vai uma crônica política sobre a lei dos royalties, por exemplo. Com frequência perco a calma nessas situações, em detrimento da elegância do texto e da civilidade pessoal. Carece pois, separar o joio do trigo.
Acresce que arte e política não fazem, em geral, bom caldo. Essa mistura quase sempre vira panfletagem e a história da arte está cheia de exemplos.
Pensando nisso, e para preservar o sossego e a calma próprios de avô, resolvi instituir um assessor para assuntos políticos, áridos ou polêmicos, de modo a livrar-me de estresse. Eu quero é sossego!
Esse assessor responde em SUTIL COMO UM ELEFANTE  www.sutilefante.blogspot.com
Ou pode ser acessado pelo link abaixo, à direita.

6 de dez. de 2012

Meu caso com Niemayer


Caso de admiração incondicional, mas contida.
Admiração incondicional, desde sempre, pelo grande artista que foi, e pela percepção, nos últimos tempos, da sua estatura humanista, cuja estrela continuará iluminando gerações.
Admiração contida, em virtude de minha natureza tímida.

Algum tempo atrás, não faz muito tempo, fui ao Riocentro ver a megaexposição da obra de Niemayer, exposição esta que depois foi para São Paulo e Brasília e também para o exterior. Ao entrar, me confundi e fui parar noutra exposição, de móveis. Pensei que havia me equivocado quanto à exposição do arquiteto e, para não perder a viajem, entrei. Vi rapidamente, saí. E só então descobri o pavilhão da exposição do mestre. Mas já havia perdido um precioso tempo.

Quando vou a uma exposição, ou museu, paro diante da obra e fico apreciando durante longo tempo; e quando tem maquete então, giro em volta, agacho, examino de todos os ângulos, um inferno para quem estiver me acompanhando. Por isso gosto de ir sozinho. E era o caso, então.
Ainda fora do pavilhão, mas já apreciando absorto as primeiras obras expostas, de início de carreira, pensava: "Ele faz com o concreto coisas que até Deus duvida".
Então, olhando de soslaio, vi o Oscar Niemayer saindo do pavilhão, fumando sua cigarrilha. Era a hora de aproximar-me, cumprimentá-lo, expressar a minha admiração... Mas não quis incomodar...
Na verdade, incomodado estava eu, não com a presença do arquiteto, que era pessoa afável, mas com a minha timidez. Como quando se vê uma mulher muito bonita e se imagina que é muita areia para o seu caminhãozinho. Ah! pobres tímidos! Quantas oportunidades perdem!
E fingi não perceber a presença do homem, ignorei-o, e continuei a ver as obras, e entrei no pavilhão.

Daí em diante foi só encantamento com a obra exposta!

Mas de repente a luz apagou, os seguranças apagaram-na, o tempo acabara, saí batido.

Não conformado, voltei no dia seguinte: queria ver o restante das obras expostas e o documentário em que o próprio Oscar falava do seu trabalho e da sua vida.
Ao entrar, veio ao meu encontro uma jovem senhora, neta de Niemayer e curadora da exposição. Percebera a minha saída intempestiva no dia anterior, reconheceu-me e pedia desculpas pelo ocorrido. Tentei amenizar:
- É que eu já cheguei um pouco tarde...
- Não, eles não podiam ter feito isso. Já foram advertidos. Desculpe. O Oscar esteve ontem aqui. O senhor viu, falou com ele?
-Não, não percebi, estava tão absorto nas obras...
- Que pena...

Vi tudo que faltava ver.
No documentário, disse Oscar: "A arquitetura não é importante, importante é a vida, as pessoas". E sobre o trabalho: "Que se foda o trabalho". Ele, que aos 104 anos ainda trabalhava!

Vai, Oscar, vai brincar com as estrelas. Nós ficamos com a saudade.

* A grafia correta é Niemeyer

 
Perdemos o poeta das formas arquitetônicas
O escultor de edifícios

Vai para as estrelas, poeta
Saudades

29 de nov. de 2012

Sanciona, Dilma!


Amanhã – 30/11/12 – é o prazo final para a presidenta vetar ou sancionar a nova lei dos royalties do petróleo.
Eu acho que ela vai sancionar, em virtude de um cálculo eleitoral simples: sancionando, agradará a 24 Estados e ao Congresso; desagradará apenas ao Rio de janeiro e ao Espírito Santo. Vetando, ainda passará pelo desconforto de ver seu veto derrubado pelo Congresso (e ninguém duvida que ele o fará).
Sancionada a lei, resta aos Estados prejudicados irem ao Supremo Tribunal Federal questionar a constitucionalidade da mesma.
Se o STF embargar, a presidenta terá como sair-se bem com o eleitorado: "Eu fiz a minha parte, mas o Supremo jogou areia". A culpa será do STF. Simples assim.
Torço para que a lei seja sancionada, pois não aguento mais essa novela que já vai na terceira edição, mudando apenas os canastrões, mas cujo enredo é a mesma trafulhice de sempre.
Quero o último capítulo já!
Quero ver também o nosso querido governador ir ao Supremo tentar defender os interesses do Rio – ele que tanto confiou na companheirada!

27 de nov. de 2012

Justiça ou Cinismo?


Acho até ridículo o esforço de alguns parlamentares na busca de argumentos que justifiquem o injustificável.
Um deles, na defesa da nova lei dos royalties do petróleo, diz que o petróleo sai da plataforma continental – que pertence à União e não ao Rio de Janeiro. Sendo assim, todo o povo brasileiro tem direito a participar dos recursos provenientes do óleo extraído da plataforma. É justo, diz o deputado!
A plataforma continental é da União sim, como é da União todo o subsolo do território nacional. Portanto, o minério de Minas Gerais e do Pará, etc., etc., etc. Por esse raciocínio o Rio (e todo o povo brasileiro) também tem direito aos royalties do ferro, do alumínio, do cobre, do estanho, etc.
Outro deputado defende a lei da seguinte forma: o governo investe recursos do povo na pesquisa pioneira das áreas produtivas, antes de licitá-las, portanto, se todo o povo colabora, é justo que tenha participação nos lucros. Justíssimo!
O deputado não diz, contudo (não convém instruir o povo!), que o DNPM, órgão do Ministério das Minas e Energia, também investe dinheiro do povo em pesquisa pioneira, textos, cartas e mapas geológicos para divulgação das áreas suscetíveis de mineração. Na área do petróleo este trabalho é feito pela ANP. Simplesmente porque ninguém entra num leilão ou licitação se não tem informações técnicas sobre as áreas em questão.
E aí o argumento do deputado gira 180 graus e se volta contra si próprio: então o minério de Minas e do Pará, além de outros, etc., etc., etc.
Na verdade, tais argumentos, aparentemente racionais e justos, são verdadeiros tiros nos pés dos próprios argumentos! É melhor que fiquem calados, senhores, para não ficarem mal na fita.
E não há argumento que contradiga o que ficou escrito no parágrafo 1° do artigo 20 da constituição de 1988, a constituição cidadã: "... é assegurado aos Estados, D F e Municípios (...) participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, (...) no respectivo território, na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração".

 
E parem, senhores, de falar em justiça. Nem os senhores, que votaram a lei, nem os seus eleitores, pensaram ou pensam em justiça: pensaram e pensam em DINHEIRO!
E como os novos poços ainda demoram a produzir, Vossas Excelências foram em cima do dinheiro já em produção – que pertence por lei às regiões produtoras!
E chamam a isto de justiça? Eu tenho outro nome para isso...

16 de nov. de 2012

Protestar é preciso!


Falando em solidariedade, quero hipotecar a minha ao povo europeu, muito especialmente ao povo português, pela crise econômica que está passando – talvez a mais grave que há enfrentado em sua história recente.
Nessas ocasiões, apertar o cinto é necessário, não tem outro jeito, fazemos isso em nossa microeconomia doméstica – na macro é a mesma coisa.
Mas Portugal já fez a sua parte, ordeiramente e a duras penas – já cortou gastos e aumentou impostos.
E agora vêm com mais arrocho? Querem a fivela no último furo? Querem matar o paciente com o remédio?
O aperto do cinto tem limites! Fazem bem em protestar nas ruas!
Avante, portugueses! Botem a boca no trombone!

15 de nov. de 2012

Bonitinha mas ordinária


O nome da peça é Otto Lara Resende ou Bonitinha mas ordinária, obra-prima de Nelson Rodrigues. A trama se desenvolve em torno do mote "O mineiro só é solidário no câncer" – frase do escritor mineiro que encabeça o título da obra.
Eu já a tinha visto no cinema, com a Lucélia Santos ainda quase adolescente, mas confesso que não me lembrava da trama – uma história de suborno, canalhices e interesses inconfessáveis travestidos de boas intenções. A frase lapidar do Otto nos diz que o mineiro (ou qualquer pessoa esperta, sagaz e calhorda) – a não ser no câncer – tem sempre um interesse ou segunda intenção por trás da atitude aparente de solidariedade.
Podemos considerar algum exagero na frase, que ao tempo de Otto e Nelson e no contexto da peça, era aplicada às elites; mas se pensarmos nos dias de hoje, criticamente, veremos que qualquer possível exagero se esvai e que já não pode ser aplicada somente às elites. No dizer de Eduardo Votzk, diretor da montagem teatral em questão, "O Brasil está cada dia mais rodriguiano". O mineiro que só é solidário no câncer pode ser o seu vizinho, a pessoa caminhando ao seu lado na rua, o policial lanchando na padaria, a ONG cuidando de criancinhas de rua, o burocrata que põe barreiras ao seu pleito, o prefeito que manda consertar as calçadas do seu bairro, o governador que chora frente às câmeras... E mais não digo, porque você já sabe.

 
A propósito, assisti à peça recentemente, no Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes. O teatro tem oferecido programação (infantil e adulta) nos finais de semana, quase ininterruptamente. Começou em setembro. Pensei: são bondades de ano eleitoral; após a votação fica tudo como estava.
Creio que me enganei – a programação continua!
A nova fase do teatro coincide com a mudança em sua direção. Pensei novamente: por que o governo nada fez desde que assumiu, há seis anos e só veio fazer agora? Resposta: porque quer eleger o seu sucessor em 2014.
O mineiro só é solidário no câncer!
Viva Otto! Viva Nelson!

O resgate que faltava


Fala-se muito em resgatar. Resgatar-se isto e aquilo. Nos últimos oito ou dez anos resgatou-se a autoestima do povo brasileiro. Pelo menos é o que diz o nosso Lula: "Nunca antes nesse país...". Por último resgatou-se a autoestima dos cariocas. Será? No que me diz respeito, nunca antes me senti tão naufragado; não no mar da minha vida pessoal, que vai bem, obrigado, mas em outros mares...
Mas deixemos de lero-lero para falar de outro resgate, que ouço com insistência na mídia dos últimos dias: o resgate do transporte ferroviário de passageiros.
Além do trem-bala Rio-São Paulo-Campinas, a joia da coroa dos projetos ferroviários, fala-se em interligar cidades próximas nas regiões Sul, Sudeste, Centro-oeste e Nordeste. Nada mais racional e necessário! Depois de meio século de abandono, sucateamento e extinção de ramais, o único trem regular de passageiros existente hoje é o que trafega semanalmente nos trilhos da Vitória-Minas, ainda assim por força de cláusula contratual na privatização da Vale.
Torço para que este resgate se efetive realmente e não seja apenas um discurso. Quero eu mesmo ir a São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Salvador, etc. de TREM!
Por enquanto é só discurso, mas é bom que se fale, para criar massa crítica e tirar os projetos do papel.
Foi preciso entupir de veículos as ruas e estradas, para que se volte a falar na ferrovia como opção de transporte.
Chega de alargar ruas e estreitar calçadas!
Vamos em frente... de trem!

8 de nov. de 2012

OS ABUTRES ESTÃO DE VOLTA


Um deputado da base parlamentar do governo diz que a nova lei dos royalties do petróleo é justa e igualitária para o povo brasileiro.
Vejamos.
É justo distribuir igualmente os recursos provenientes do pré-sal? É. O que não é justo é distribuir os recursos dos campos já licitados, em operação, e cujas receitas já estão comprometidas no orçamento do Estado. Isto é decretar a falência do Rio de Janeiro e do Espírito Santo! Isto é quebra de contrato, gerando insegurança jurídica, tudo o que o país não precisa neste momento.
Mas os abutres não podem esperar os recursos dos novos campos, que ainda demoram: querem a carniça que já exala!
Para a justiça ser completa, deviam suas excelências fazer o mesmo com o minério de Minas Gerais e do Pará, além de outros recursos minerais espalhados pelo território nacional. Isso seria cortar na própria carne – mas pimenta nos olhos dos outros é refresco!
Suas excelências fingem esquecer que na constituição de 1988 foi concertado um regime diferenciado de ICMS para o petróleo e a energia elétrica; por tal acordo, o imposto é cobrado nos Estados consumidores e não nos produtores – como nos demais produtos. Por isto mesmo foram criadas, na mesma oportunidade, as participações especiais (além dos royalties) com o objetivo de compensar a garfada nos Estados produtores.
Para ser justo e igualitário realmente, suas excelências deveriam promover uma ampla reforma tributária, acertando todas essas questões. Mas é mais fácil fazer demagogia!
Chegando ao requinte, suas excelências cortaram do projeto a vinculação dos recursos a serem distribuídos, à educação, como queria o governo. Querem o butim livre de quaisquer condicionantes! Por que será, heim?
E a presidenta Dilma não vetará (como fez o Lula), para não desagradar a base, tendo em vista as eleições presidenciais de 2014.
E agora, Cabral? Quem poderá nos defender?

 
(O Chapolin Colorado não tem jurisdição no Brasil – só nos resta o Supremo Tribunal Federal)

5 de abr. de 2012

De Bolos e Brioches


Diz que a rainha Maria Antonieta, nos começos da revolução francesa, tendo sido informada por seus ministros que o povo não tinha pão, teria dito: "Não têm pão? Pois comam bolo!". Ou brioches, sei lá. Por essa e por outras Maria Antonieta perdeu a cabeça na guilhotina!
Pois hoje topei com uma figura bizarra que parece seguir o conselho cínico da rainha francesa.
Eu estava no caixa do supermercado passando as compras do mês e de olho no monitor de vídeo, preocupado com a conta que subia. Este foi um mês que tive um orçamento apertado e combinei com minha mulher cortar alguns itens supérfluos, como iogurte e a minha garrafa de vinho.
A figura aproximou-se e pediu algo que não entendi. Disse que não tinha dinheiro, ia pagar no cartão. Retrucou-me dizendo que não queria dinheiro, mas que lhe pagasse o pacote que trazia numa das mãos. Na outra tinha algo que já havia sido pago por outra pessoa. Cedi. A caixa digitou o valor e o homem foi embora. Só depois, alertado por minha mulher e pela moça da caixa, me dei conta do que fizera: pagara para o mendigo um finíssimo bolo que nem mesmo eu costumo comprar. E na outra mão o homem levava um pedaço de queijo!
Não pude deixar de comentar: "Fosse eu, enchia de pão uma sacola e pedia que alguém pagasse".
Mas o mundo mudou, mudaram os pobres...
E eu, que cortei o iogurte dos meninos e a minha garrafa de vinho, me senti um idiota!

14 de mar. de 2012

Estamos todos enrascados


Caríssimos, hoje apenas transcrevo (ou copio e colo) o texto de Mia Couto, um dos mais importantes autores africanos de língua portuguesa. Natural da Beira – Moçambique, tem na escrita sua paixão constante. Vencedor de vários prêmios, sua obra (poesia, jornalismo e ficção) tem sido traduzida para vários idiomas, tais como: alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, neerlandês, norueguês e sueco.
O autor diz que "um dia isto tinha que acontecer" e eu digo que um dia alguém tinha que o dizer. Creio que Mia Couto reflete a atual situação econômica e social de Portugal e outros países europeus, mas o tema é universal e preocupante. Faço minhas as suas palavras.

 
Um Dia Isto Tinha Que Acontecer, por Mia Couto


 Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

 

5 de mar. de 2012

Saí para um sarau poético ...


... E acabei na feira nordestina de São Cristóvão! Acreditam nisso? Foi assim. Fui convidado por Adriana Kairos, pela terceira vez, a comparecer ao sarau poético da Biblioteca de Manguinhos, que acontece uma vez por mês. Não conhecia o bairro, embora passe por lá regularmente, na condução, sem nunca ter saltado. Sei que a fama do lugar não é boa, mas não importa, se tantos bairros têm fama idêntica. E além do mais, em geral só ficamos sabendo das coisas ruins, nunca das boas, como um sarau poético, por exemplo.
No último sábado (03/03), resolvi comparecer. Além de rever Adriana, queria participar da homenagem a outra poetiza de minha estima, Aline Leite, falando um ou dois poemas de sua autoria. Peguei um exemplar de POESIA SUBURBANA e outro com poemas de Fernando Pessoa, e parti. Parti já bastante atrasado, mas teria tempo de sobra. Sentei do lado direito do ônibus e fui observando a numeração da avenida D. Helder Câmara, para saltar próximo ao número 1184. Quando observei o número 1300, pensei: é aqui. Mas...
O bairro é atravessado pelo viaduto do metrô, e por baixo deste viaduto, barracos e outras traquitanas pouco simpáticas. Pouquíssimas pessoas perambulando na rua. Noite escura. E vocês sabem: à noite todos os gatos são pardos. Gente, não acionei a cigarra do ônibus, não saltei, passei batido, só parei no Campo de São Cristóvão! Lá eu conheço e sei me situar. Não é preconceito não, gente. Foi cagaço mesmo!
Saltei bem em frente a uma das entradas da feira nordestina. A intenção era pegar um ônibus de volta, mas a cantoria dos repentistas nordestinos me atiçou. Entrei.
Minha mulher, antes de eu sair de casa, me disse que talvez fosse à feira com uma amiga. Quem sabe nos encontraríamos lá. E repente daqui e dali, e forró de cá e de lá, me deu fome e sede. Sentei num restaurante e pedi uma cerveja e um angu à baiana, que há muito tempo não comia. O angu não foi lá essas coisas, mas comível para quem tem fome, e a cerveja desceu bem. De repente bateu-me uma saudade de outro angu, o Angu do Gomes, famoso outrora. Lembro-me de saboreá-lo na Praça XV, quando voltava da Faculdade à noite. A última vez que comi um angu do Gomes foi na Maré, na calçada da avenida Brasil. Talvez já não fosse o Gomes original, talvez um Gomes pirata, mas o angu era muito bom, igual ao do Gomes. Já comi caviar, mas tenho saudade é do Angu do Gomes!
Mas deixemos de culinária, que eu já estou de volta a casa. Ao passar por Manguinhos, que diferença! Muitas, muitíssimas pessoas circulando na rua, parece que iam a um lugar determinado, talvez um baile funk numa quadra que vi de portões abertos e toda iluminada. E o som bombando. Tive até vontade de saltar, tão aconchegante me pareceu o lugar! Segui meu rumo. Em outra oportunidade irei ao sarau de Manguinhos, mas antes vou lá durante o dia fazer um reconhecimento do terreno (e eu não fui milico? Pois então).
E a Rita, hein? Que disse que ia e não foi. E eu que não ia, fui.